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Novos formatos e velhas narrativas? Pesquisa analisa estereótipos em personagens femininas de e-books mais vendidos no Brasil

O mercado de livros digitais cresceu mais de 20% em 2024, segundo levantamento divulgado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Ainda de acordo com as entidades, de 2019 a 2023, o faturamento das editoras com conteúdo digital aumentou 158%. Os números indicam, portanto, que o interesse dos leitores brasileiros por esse formato não para de crescer e, como critérios para a compra de e-books, os consumidores elencam acessibilidade, conveniência, portabilidade, além do custo por vezes mais baixo do que o livro físico.

Mas se o suporte traz inovações quanto à forma de apreciar uma boa leitura, as narrativas acompanham essa tendência? Uma pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará buscou responder a essa pergunta, com enfoque na análise acerca dos estereótipos nas personagens femininas em e-books. O estudo analisou 15 títulos entre os mais vendidos da plataforma Amazon Brasil, no período de agosto a novembro de 2024, e a conclusão foi a de uma visão paradoxal da mulher, que preconiza atitudes progressistas, mas ancorada em ideais conservadores que norteiam as obras.

Dentre os títulos estudados, quatro são postos em destaque: “A esposa indesejada do príncipe”, de D.A. Lemoyne; “Azar no altar”, de Maria Isabel Mello; “A conquista do Mafioso”, de Ary Nascimento; e “Vincenzo”, de Cecília Turner. As obras compõem a categoria de literatura juvenil/adulta, aproximando-se dos antigos folhetins, romances publicados em jornais e revistas em meados do século 19.

“Esse tipo de literatura faz parte do que chamamos de literatura comercial. Os gêneros têm nomes específicos como ‘romance hot’, ‘dark romance’ e comumente são mulheres que escrevem para um público majoritariamente feminino. Isso implica em como a parcela feminina da sociedade se enxerga e diretamente em sua formação social e cultural”

Priscila Siqueira, autora da tese de doutorado

Comenta a pesquisadora que, embora as narrativas dos livros analisados retratem ideais de liberdade e empoderamento atrelados às protagonistas, eles coexistem com o perfil de mulher submissa e apaixonada. A felicidade da mulher, portanto, está associada nesses livros ao homem.

“Esse perfil se conecta diretamente com as visões mais tradicionais da mulher, a colocando em papéis ligados ao casamento e à maternidade e, principalmente, atrelando a felicidade ao amor. Dentro desses universos não existe felicidade sem paixão. Para além disso, todas as protagonistas retratadas tinham algum tipo de vulnerabilidade que seria resolvida através do amor, reforçando a visão da mulher enquanto sexo mais frágil que precisa da proteção de um parceiro”

Afirma Priscila Siqueira. 

Em um dos livros analisados, exemplifica a pesquisadora, a protagonista é abandonada no altar e o papel da solteirona era algo que a machucava tanto ao ponto de fingir um relacionamento com um ex-amigo para não sair “por baixo”. “São valores e papéis sociais femininos que ainda trazem uma visão conservadora da mulher e isso foi extremamente paradoxal com os valores mais progressistas que também existem dentro da sociedade, que retratam a luta feminista”, esclarece.

Fonte: Agência UFC

Uma matéria de: Cristiane Pimentel

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